Animais silvestres morrem por causa da obra do Rodoanel

Por Folha de Embu | 21/04/2009

As denúncias dos crimes ambientais praticados no canteiro de obras do Trecho Sul do Rodoanel Mário Covas, trazidas a público pela última edição da Folha do Embu, foram confirmadas recentemente por reportagens publicadas no jornal o Estado de São Paulo, assinadas pelo repórter Eduardo Reina. Segundo uma das reportagens, mais de cem animais silvestres já morreram desde o início das obras de construção do Trecho Sul do Rodoanel, em áreas de mata atlântica nas cidades de Embu das Artes e Itapecerica da Serra. Parte dos animais mortos era de espécies ameaçadas de extinção. A Dersa foi multada pelos crimes e o  Ministério Público Estadual (MPE) garante que vai investigar a morte dos animais.

“São veados catingueiros, macacos bugios, preguiças de três dedos, lagartos teiús, gambás, cobras, corujas orelhudas e várias outras espécies que deveriam passar por manejo cuidadoso, mas tiveram ferimentos graves ou sofreram estresse profundo - que resultaram em óbito”, afirmou a reportagem.

Segundo o Estado, de 137 animais enviados para recuperação em parques e clínicas veterinárias, 105 não resistiram. Outros 371 bichos foram devolvidos para a mata sem apresentar problemas, segundo dados do Desenvolvimento Rodoviário S. A. (Dersa), empresa do governo do Estado que administra a obra. Os animais mortos, contudo, representam 21,9% dos que passaram pelas mãos dos técnicos da Dersa.

A reportagem explica que os animais encontrados nas áreas desmatadas que precisam receber atendimento veterinário são levados pela Dersa para parques - Pedroso, em Santo André, Estoril, que tem um zoológico em São Bernardo do Campo, e Ecológico do Tietê, em São Paulo -, ou encaminhados ao Departamento de Parques e Áreas Verdes (Depave), da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente de São Paulo. Pela gravidade dos ferimentos de muitos deles, a Polícia Ambiental às vezes também os encaminha para veterinários particulares ou para um santuário localizado em Cotia, na zona oeste da Região Metropolitana de São Paulo, no sentido oposto das obras do Trecho Sul.

A matéria publicada traz o depoimento do pesquisador das interferências da ação humana no Parque Estadual Xixová-Japuí, em São Vicente, o professor da Unesp Dênis Abessa. Ele afirma na reportagem que manter animais silvestres em más condições caracteriza um crime ambiental. "A alta taxa de morte dos animais remanejados no Rodoanel indica algum problema na coleta, no transporte ou nos momentos seguintes dessas operações", salienta na matéria.

"Nesses casos você ultrapassa a esfera do dolo, da intenção. As mortes poderiam ter sido evitadas. A Lei de Crimes Ambientais só prevê punição quando há vontade livre e consciente de matar. Aqui pode ter havido imprudência, imperícia ou negligência. Se ficarem provadas, os responsáveis poderão responder pelos danos. Já na esfera civil poderão ser punidos administrativamente, com multas", explica o jurista Jair Jaloreto Junior, especialista na área ambiental, que também foi citado na reportagem.

Veja trecho da matéria na íntegra

Mutilação
Entre os bichos que sobreviveram está uma preguiça de três dedos que chegou em outubro de 2007 ao santuário Rancho dos Gnomos, que há 18 anos acolhe animais silvestres em Cotia. Ela tinha parte do corpo queimado por fios de alta tensão e teve a pata esquerda amputada, porque as garras haviam sido mutiladas. "Por sorte conseguimos tratar e o animal sobreviveu", conta Marcos Pompeu, do santuário.

Sua mulher, Silvia, lembra que durante as obras do Trecho Oeste do Rodoanel, entre 1998 e 2002, também recebeu vários animais precisando de tratamento veterinário. "Hoje só acolhemos casos de emergência. A Polícia Ambiental sempre trouxe os animais para cá, mas não recebemos nenhum dinheiro da Dersa pelo que fazemos."

O Rancho abriga atualmente quatro centenas de animais silvestres, incluindo 13 leões que estavam em circos, um tigre, uma jaguatirica, além de preguiças, macacos e aves.

Outro animal vítima das obras do Trecho Sul é um macaco bugio, que teve quatro dedos de uma mão queimados em fios elétricos. "O Juninho chegou ainda bebê aqui. Operamos e ele vive bem agora", comenta Silvia. A mesma sorte não teve um veado catingueiro. Levado ao santuário por funcionários da Dersa em 1º de agosto, morreu quatro dias depois. "Foi o estresse. Quando os veados são capturados, é preciso ter muito cuidado", observa Pompeu. O laudo da necropsia da veterinária Kelli Spitaletti constatou ferimentos por todo o corpo, além de congestão e edemas pulmonares.

Outros três veados catingueiros morreram na clínica veterinária de Felipe Giacobini, localizada na cidade de Embu, na Grande São Paulo. "Foi o pessoal da Polícia Ambiental que trouxe os animais, em momentos diferentes", explica o veterinário.

Eutanásia
Todos precisaram passar por eutanásia, por causa dos ferimentos múltiplos e da impossibilidade de sobreviver. Um dos veados catingueiros, espécie ameaçada de extinção, estava com a coluna vertebral fraturada. Outro teve a parte posterior do corpo mutilada por mordidas de cães. "Com certeza foram cachorros da vizinhança da obra. Os veados, à procura de alimentos, ficam perdidos entre a urbanização e o Rodoanel."

O Estudo de Impacto Ambiental do Trecho Sul identificou a existência de 163 espécies de aves, 23 de mamíferos e nove de répteis que habitavam as áreas das obras, principalmente nas cidades de São Bernardo do Campo e Diadema. As obras começaram em 2007. 

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